É com um imenso prazer que apresentamos o quarto número da Revista Mundo e Desenvolvimento, que se dedica a pensar as questões relacionadas à crise ambiental e aos desafios do desenvolvimento nacional e sustentável da região Amazônica. Este tema ganha especial relevância num momento em que a Amazônia se torna o pivô do debate mundial sobre a Mudança Climática, sobre a capacidade de gestão nacional acerca de seus recursos naturais no sentindo de refrear o desmatamento, as queimadas e o garimpo ilegal. Diante das dificuldades (ou do desinteresse) do governo brasileiro em apresentar uma solução viável para esses problemas, os papéis da academia e da cidadania assumem maior relevância na busca de caminhos para atingir o objetivo de um desenvolvimento nacional, sustentável e socialmente equitativo.

O primeiro artigo desta coletânea “Dinâmica do processo de integração da Amazônia ao restante do país: breves considerações a partir de 1960”, formulado por Sérgio Moreno Redon, Sara Ferreira e Aline de Oliveira Lima, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), articulam o processo de integração econômica realizada pelo governo federal a partir de 1960, com a Amazônia. Esse processo na concepção do(as) autor(as) desvelam um choque causado pela intensificação do avanço do processo de acumulação de capital, gerador de efeitos da desconcentração produtiva espúria, à biodiversidade e as especificidades do espaço social amazônico. Esse preâmbulo perpassa pela análise de uma bibliografia que enunciam os efeitos deletérios gerados à Amazônia pela implementação dos polos produtivos exportadores, selecionados para extração de recursos naturais dos seus territórios.

O artigo “Agroecologia e os territórios do movimento: da transição e solidariedade agroecológica à emancipação feminina na Amazônia paraense”, produzido por José Sobreiro Filho, Bruna Gonçalves Costa e Anderson Antônio Silva, da Universidade Federal do Pará (UFPA), trata de debater sobre a agroecologia como exemplo de política contenciosa territorial construída a partir de duas experiências agroecológicas situadas no nordeste paraense e na Região Metropolitana de Belém (RMB). A partir destas experiências buscam desvelar como a transição agroecológica, no contexto da política de escalas, extrapola a escala do lote e produz efeitos ecossistêmicos positivos ao conjunto da sociedade.

No artigo “Pobreza e saneamento básico: uma análise para municípios minerados do Pará”, Daniel Nogueira Silva, Antônia Larissa Alves Oliveira e Emílio Campos Mendes, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) buscam as condições de saneamento básico das populações em situação de pobreza e extrema pobreza nos três principais municípios minerados do Estado do Pará, precisamente, Marabá, Parauapebas e Canaã dos Carajás, com base na análise descritiva das variáveis relacionadas ao acesso a água e esgotamento sanitário nesses municípios. Os autores trazem uma importante discussão sobre os resíduos gerados por estas atividades econômicas e pelo aumento da taxa de urbanização nesses municípios.

Em “A questão social da sustentabilidade na Amazônia: uma análise da produção de óleo de buriti para a indústria de biocosméticos”, Rute Holanda Lopes Alves, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Katia Viana Cavalcante (UFAM) e Suelania Cristina Gonzaga Figueiredo(IME) analisam a inclusão de comunidades amazônicas na cadeia produtiva de produtos industrializados, iniciativa que costuma ser defendida por certos setores ambientalistas como opção de desenvolvimento sustentável para estas comunidades e para melhoria do processo produtivo como um todo, seja pela redução de bases químicas e pelo uso de fontes de matérias-primas ecológicas. No entanto, a experiência mostra que, em muitos casos, a atividade é iniciada e posteriormente abandonada pelas empresas prospectoras. Para a análise, foi realizado um estudo de caso na Comunidade Santo Antônio do Abonari/Presidente Figueiredo-AM, que teve como finalidade analisar sua inserção na cadeia produtiva de cosméticos como fornecedora de óleo de buriti para as indústrias que produzem ou que beneficiam este produto.

No artigo “Biodiversidade e desenvolvimento na Amazônia: uma perspectiva do paradigma tecnológico da Quarta Revolução Industrial”, o pesquisador Bernardo Salgado Rodrigues, da UFRJ e da Escola de Guerra Naval (EGN), propõe analisar a hipótese de uma via alternativa de desenvolvimento na Amazônia brasileira, que não se restringe a conservá-la, inviabilizando sua potencialidade, nem atuar de forma predatória, com acesso aos recursos naturais de forma irracional. Baseado num projeto autônomo de desenvolvimento brasileiro, este se pautaria pela exploração racional da biodiversidade baseada em Ciência, Tecnologia e Inovação, lastreada pela 4ª Revolução Industrial como bases para o desenvolvimento na Amazônia.

O professor Ronaldo Joaquim da Silveira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e o pesquisador Lobão Pedro Henrique Ramos Prado Vasques, do Instituto Nacional de Ciência de Tecnologia para estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU), no artigo “A dupla afetação do Território Wîi Tîpî - Terra Indígena Raposa Serra do Sol e Parque Nacional do Monte Roraima: o desafio da Jusdiversidade” buscam discutir o desafio da gestão de territórios indígenas duplamente afetados por espaços territoriais especialmente protegidos. No caso concreto, analisa a relação entre o território indígena Wîi Tîpî e o Parque Nacional do Monte Roraima (PNMR), ambos circunscritos pela Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), em Roraima. Tem por hipótese que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da Petição n. 3.388/2005, que tratou da homologação em área contínua da TIRSS, consolidou um movimento de marginalização do protagonismo indígena na gestão desses espaços. Ao invés de produzir um cenário de maior jusdiversidade e autonomia, o processo judicial teria alçado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) como protagonista nesses espaços, ampliando o caráter tutelar que as instituições estatais continuam adotando no trato dos direitos indígenas.

O artigo do Professor Alfredo Alejandro Gugliano (UFRGS) e da Promotora de Justiça do Ministério Público no Estado de Rondônia, Dra. Aidee Maria Moser Torquato Luiz, “O caminho se faz caminhando: audiências públicas como instrumentos para aperfeiçoar políticas participativas no caso das barragens do Rio Madeira”, discute o modelo de políticas públicas voltadas para processos de decisão, com ênfase na instalação de empreendimentos que geram impactos sociais e ambientais de grandes proporções e como eles se apropriam dos espaços, aniquilando os usos e costumes das populações atingidas, e alteram as condições socioambientais, gerando conflitos e dilemas. Para tanto, valem-se do caso da licitação das usinas do Rio Madeira para analisar a participação cidadã nas audiências públicas como instrumento legal de formulação de políticas públicas.

O último artigo do dossiê, “Amazônia em chamas: por uma governança transnacional ambiental Multinível”, foi escrito pelos professores da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) Paulo Márcio Cruz, Zenildo Bodnar e Márcio Ricardo Staffen, em que trazem à tona a questão da governança transnacional para uma proteção, defesa e gestão de recursos naturais de dimensões planetárias, como é o caso da Amazônia, que vem sendo fortemente impactada pelas recentes queimadas de ampla divulgação midiática, de acalorados debates diplomáticos e atuação de atores não-estatais.

Na seção de miscelânea, o professor Francisco Luiz Corsi (Unesp-Marília), em seu texto “O capitalismo global e a pandemia” tem por objetivo discutir, sob o ponto de vista da dinâmica da acumulação de capital na economia mundial, a crise econômica desencadeada pelo coronavírus (COVID-19) e seus desdobramentos. O autor parte do pressuposto de que a compreensão da dimensão da referida crise só é possível se a situarmos no contexto de instabilidade e de crises recorrentes do capitalismo global.

Por fim, esta edição é concluída com duas resenhas. A primeira, sobre a obra de Andrés Serbin “Eurasia y América Latina en un mundo multipolar” (Icaria/CRIES; Barcelona/Buenos Aires, 2019, 200 p.). A segunda, sobre o libro “Política, Cultura e Sociedade na América Latina: estudos interdisciplinares e comparativos (volume 6)”, organizado por Lídia O. Xavier, Carlos Dominguez Avila e Vicente Fonseca (Curitiba: Editora CRV, 2020, 510p.) Ambas as resenhas foram feitas por Marcos Cordeiro Pires (Unesp-Marília).

Esperamos que este número possibilite amplo debate sobre a Amazônia, sua biodiversidade, fronteiras, limites e desafios à preservação, como discutidos nos artigos deste dossiê, e possibilite a construção de novos horizontes para as políticas ambientais atualmente em curso no país.

 

Boa Leitura!

 

Dr. André Scantimburgo (Editor-Chefe)

Dr. Marcos Cordeiro Pires (Coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP)

 

Organizadores deste Número

Dr. Luís Antonio Paulino (UNESP)

Dr. Rafael Gonçalves Gumiero (UNIFESSPA)

Drª. Silvia Aparecida de Sousa Fernandes (UNESP)

Publicado: 2020-09-27

Apresentação

Dossiê

Miscelânea